Nos últimos anos, o mercado imobiliário brasileiro passou por transformações profundas, impulsionadas, sobretudo, pelo aumento significativo das taxas de juros e pelo encarecimento do crédito. Apesar de a inflação mostrar sinais de queda, o Banco Central optou por manter a Selic elevada como instrumento de contenção das pressões inflacionárias. Esse cenário vem alterando o perfil dos compradores, a dinâmica das vendas e as estratégias de quem atua no setor.
A partir de meados de 2023, a taxa Selic permaneceu em patamares superiores a 11% ao ano, ainda que o IPCA tenha fechado o mês de julho de 2024 em 4,71%. Essa discrepância reflete uma decisão deliberada do Conselho Monetário Nacional de preservar o poder de compra da moeda.
O impacto imediato dessa política foi o encarecimento substancial do crédito imobiliário. Instituições financeiras, pressionadas pelos custos de captação, repassam ao cliente taxas que podem variar de 11% a 15% ao ano. Para a classe média, que historicamente depende de financiamentos, isso representou um desafio sem precedentes.
Em um contexto onde cada ponto percentual a mais na taxa de juros pode significar milhares de reais a mais ao final do contrato, famílias passaram a reavaliar o sonho da casa própria, buscando alternativas fora do modelo de financiamento tradicional.
Surpreendentemente, mesmo diante do crédito caro, o mercado fechou 2024 em alta. Entre janeiro e julho, foram vendidas 104.752 unidades novas, um crescimento de 27,4% em relação ao mesmo período de 2023. O valor total dessas operações somou R$ 32,4 bilhões, alta de 31,2%.
O segmento de habitação popular se destacou: houve um salto de 33,8% nas unidades vendidas e 30,8% no valor total, graças ao fôlego do programa Minha Casa, Minha Vida e à ampliação das faixas de subsídio. Aproximadamente metade dos imóveis negociados em 2024 foi viabilizada por esse programa, representando cerca de 380 mil unidades.
Paralelamente, o mercado de médio e alto padrão mostrou resiliência. As vendas subiram 7,1%, com lançamentos crescendo 10% e valorização de 20,8% no valor total. A oferta foi ajustada a consumidores dispostos a pagar mais por localização privilegiada, segurança e infraestrutura completa.
Além disso, os preços médios dos imóveis subiram cerca de 8% em 2024, acima do IPCA (4,71%) e do IGP-M (6,54%), sinalizando que a demanda, mesmo restrita pelo custo do crédito, ainda supera a oferta em várias regiões.
Com a restrição do crédito, os consumidores passaram a valorizar alternativas mais acessíveis. Observou-se um crescimento expressivo na busca por apartamentos compactos e multifamiliares, que oferecem menor custo de aquisição e manutenções reduzidas.
Construtoras e incorporadoras, por sua vez, desenvolveram linhas de produtos específicas para esse novo perfil. Surgiram condições de pagamento mais flexíveis, como prazos estendidos, carência inicial e até descontos em pagamentos à vista.
No segmento corporativo, grandes centros como São Paulo mantiveram alta taxa de ocupação – 90% em áreas como Faria Lima e Vila Olímpia. Investimentos em soluções tecnológicas e sustentáveis tornaram-se diferenciais para atrair inquilinos e compradores em meio à maior seletividade.
Um dos efeitos mais marcantes foi a redução na participação dos investidores na compra de imóveis. No primeiro trimestre de 2025, apenas 31% das unidades foram adquiridas por esse público, o menor patamar já registrado. O custo elevado do financiamento e a perspectiva de menor valorização explicam a retração.
Entre os investidores remanescentes, 67% optam pela aquisição para aluguel, buscando fluxo de renda estável, enquanto 33% compram para revender em médio prazo. Mesmo com essa mudança, o imóvel continua sendo visto como uma forma de proteção de capital em ativos reais, sobretudo em períodos de alta volatilidade no mercado financeiro.
Além disso, fundos imobiliários e sociedades de investimento em participação (SIP) ganharam destaque como alternativas mais acessíveis para quem deseja exposição ao setor sem recorrer a financiamentos tradicionais.
O ano de 2025 se inicia com incertezas. Há consenso entre analistas de que as taxas de juros devem permanecer em níveis elevados, impactando especialmente o segmento de classe média, que representa a maior parte dos compradores de primeira casa.
Programas de habitação social e linhas de crédito atreladas a projetos sustentáveis são apontados como os grandes vetores de crescimento. Ao mesmo tempo, incorporadoras que apostarem em parceria público-privada poderão ampliar seu portfólio e alcançar novas faixas de renda.
Para o investidor, o momento exige cautela e análise criteriosa de risco, mas também oferece oportunidades em segmentos que resistem melhor a oscilações de juros, como imóveis comerciais de alto padrão e empreendimentos de logística.
Em síntese, o mercado imobiliário brasileiro demonstra a cada trimestre uma capacidade de adaptação surpreendente. Entre a resiliência diante da crise de crédito e o surgimento de novas demandas, o setor se reinventa, preservando oportunidades para quem compra, vende ou investe.
Aos diferentes públicos – compradores de primeira casa, investidores ou empresas do segmento – cabe entender esse novo contexto, aproveitar linhas de financiamento alternativas e ficar atento às tendências de mercado. A chave para o sucesso está na informação, na flexibilidade e na disposição para buscar soluções criativas que equilibrem segurança e rentabilidade.
Referências